Alterações do ECG na Hipotermia
A hipotermia é definida como uma temperatura corporal abaixo de 35 ºC (95º F) 1. Geralmente é causada por uma exposição prolongada a baixas temperaturas, mas pode ocorrer em pessoas imóveis sobre superfícies frias ou após imersões muito prolongadas em águas com temperatura apta para a natação. A roupa húmida e o vento aumentam o risco de hipotermia 1 2 3.
Existem várias manifestações da hipotermia no eletrocardiograma (ECG). Frequentemente se associa à aparição de onda J (também chamada onda de Osborne) e ao prolongamento dos intervalos (PR, QRS, QT) 2.
A hipotermia pode causar alterações no ECG que simulem um Infarto agudo do Miocárdio com elevação do segmento ST (IAMCST).
Sintomas de hipotermia
Inicialmente se produzem calafrios intensos, que cessam à medida que a hipotermia progride abaixo dos 31ºC 3.
À medida que a temperatura desce abaixo dos 31ºC, as pessoas deixam de sentir frio, aparece letargia que é seguida de confusão, de irritabilidade, em certas ocasiões de alucinações e às vezes de coma. As pupilas podem tornar-se arreativas 3.
O alentecimento da frequência cardíaca, inicialmente bradicardia sinusal, é seguido de fibrilação atrial lenta; o ritmo terminal é frequentemente a fibrilação ventricular ou a assistolia 3.
Alterações no ECG pela hipotermia
Nos humanos a hipotermia profunda afeta tanto à despolarização como à repolarização.
Onda J:
A hipotermia se associa frequentemente à aparição de onda J (também chamada onda de Osborne) 3.
A onda J é uma deflexão lenta e positiva entre o final do complexo QRS e a primeira porção do segmento ST. É mais frequente observá-la nas derivações D2, D3, aVF, V5 e V6 2.
Normalmente aparece nos pacientes com temperatura corporal abaxo de 32°C (90°F) e aumenta em amplitude à medida que a temperatura do corpo desce; quando a temperatura corporal aumenta, a onda J torna-se gradualmente mais pequena, embora existem relatórios de persistência temporária de onda J incluso após alcançar a temperatura normal 1.
Alterações do segmento ST:
A selevação do segmento ST é reportada frequentemente junto com a onda J. Se ocorre previamente pode simular um padrão de Brugada ou estar em relação com a repolarização precoce.
A aparição deste transtorno da repolarização pode originar dúvidas diagnósticas devido a que o infarto agudo com elevação do segmento ST e a síndrome de Brugada podem apresentar as mesmas alterações 4.
Hipotermia leve:
Bradicardia sinusal a 52 bpm, ondas J (setas vermelhas), elevação do segmento ST, prolongamento dos intervalos PR e QTc.
Arritmias:
A hipotermia se associa a diversas arritmias atriais e ventriculares
Hipotermia leve (>34ºC [93ºF]):
Predomina o ritmo sinusal, mais a diminuição na velocidade de condução provoca bradicardia sinusal com frequencia.
Hipotermia moderada (30°C a 34°C [86°F a 93°F]):
Mais de 50% dos pacientes com hiportemia moderada desenvolvem fibrilação atrial com resposta ventricular lenta que desaparece normalmente durante o reaquecimento 1 2.
Também podem aparecer ritmos juncionais.
Hipotermia severa (<30°C [86°F]):
É frequente a aparição de extrassístole ventriculares, os pacientes podem desenvolver fibrilação ventricular.
Uma maior progressão da hipotermia (<25ºC [79ºF]) aumenta de forma significativa o risco de assistolia.
Prolongamento dos intervalos
O aumento dos níveis de hipotermia provoca um progressivo prolongamento da condução cardíaca.
O atraso da condução AV se traduz en um prolongamento do intervalo PR e podem ocorrer diferentes graus de bloqueio AV.
Além disso, a hipotermia causa aumento da duração do complexo QRS e um prolongamento significativo do intervalo QTc.
Outra das alterações no ECG que se observa na hipotermia são os artefatos por tremor muscular devido aos calafrios.
Abordagem terapêutica
Extraído de: 2010 American Heart Association Guidelines for Cardiopulmonary Resuscitation and Emergency Cardiovascular Care. Circulation. 2010;122:S829-S861 5.
A primeira prioridade é uma maior perda de calor retirando a roupa húmida e isolando ao paciente do frio.
Hipotermia ligera (>34ºC [93ºF]):
O reaquecimento passivo é normalmente adequado para pacientes com hipotermia leve. É recomendável usar uma proteção em camadas com vários cobertores, casacos, lençóis ou toalhas.
Hipotermia moderada (30°C a 34°C [86°F a 93.2°F]):
Para pacientes com hipotermia moderada com ritmo cardíaco de perfusão, as técnicas de aquecimento ativo externo são as adequadas (cobertores quentes, beber água quente, sistema de aquecimento por ar forçado, calor irradiado).
O reaquecimento passivo somente pode ser inadequado nestes pacientes 1-3.
Hipotermia severa (<30°C [86°F]):
A hipotermia severa se associa a uma depressão marcada das funções críticas do corpo, o que pode fazer que a vítima pareça morta durante o exame inicial. Por conseguinte, os procedimentos de salvamento devem ser iniciados a menos que a vítima esteja claramente morta 5.
O paciente deve ser transferida o mais rapidamente possível a um centro onde seja possível um reaquecimento agressivo durante a ressuscitação 5.
Nos pacientes com hipotermia com ritmo cardíaco de perfusão se tem relatado reaquecimento bem-sucedido com técnicas de aquecimento ativo externo.
Os pacientes com hipotermia severa e parada cardíaca podem ser aquecidos mais rápido com um bypass cardiopulmonar. Outras técnicas alternativas de aquecimento corporal eficazes são, o lavado com água quente da cavidade torácica, e o aquecimento extracorpóreo da sangue com um bypass parcial.
Outras técnicas complementares de reaquecimento corporal incluem as soluções quentes IV ou intra-ósseas e o oxigénio quente humedecido. A transferência de calor com estas medidas não é tão rápida, pelo que devem ser consideradas suplementares às técnicas de reaquecimento ativo.
Não dilatar os procedimentos urgentes, como a gestão das vias respiratórias ou a inserção de cateteres vasculares. Se existir taquicardia ventricular ou fibrilação ventricular se deve realizar a desfibrilação.
Como a hipotermia severa pode ser precedida de outras alterações (overdose de drogas, álcool, traumatismos), o médico deve buscar e tratar estas alterações subjacentes ao mesmo tempo que trata simultaneamente a hipotermia.
Se tem relatado múltiplos casos que indicam sobrevivência a hipotermia acidental incluso com RCP prolongadas ou tempo de parada prolongado. Por isso, os pacientes com hipotermia acidental severa e parada cardíaca podem se beneficiar de manobras de ressuscitação incluso nos casos de RCP prolongada ou tempos de parada prolongados 5.
Referências
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