Pericardite Aguda
A pericardite aguda é a inflamação da membrana que envolve o coração (o pericárdio).
Esta inflamação provoca alterações no eletrocardiograma que normalmente evoluem em 4 etapas 1.
Em caso de suspeita de pericardite aguda, devemos excluir inicialmente um infarto agudo do miocárdio com elevação do segmento ST. Embora a apresentação clínica e a alterações do Eletrocardiograma destas duas doenças parecem diferentes, na prática clínica são confundidas frequência.
Apresentação clínica da pericardite aguda
A dor torácica é o sintoma mais frequente da pericardite, habitualmente é aguda e pleurítica, geralmente é precordial ou retroesternal, se acentua com a inspiração ou a tosse, e alivia na posição de "prece maometana", isto é, sentado e inclinado para frente.
Acompanhando à dor torácica, pode aparecer febre, dispnéia, tosse ou clínica de infecção viral (respiratória ou digestiva).
No exame físico, o atrito pericárdico é o sinal patognomônico da pericardite aguda. É gerado pela fricção entre as capas inflamadas do pericárdio. Se ausculta como se roçara um pedaço de couro contra outro. É frequente que varie entre uma auscultação e outra, e não é auscultado em todos os pacientes com Pericardite Aguda 2.
Causas de pericardite
- Causas infecciosas:
- Virais: enterovírus, herpesvirus, VIH…
- Bacterianas: tuberculose, estafilococo, pneumococo…
- Fúngicas: histoplasmose, aspergilosie, blastomicose…
- Auto-imunes: artrite reumatóide, lúpus eritematoso sistémico, vasculite sistémica, sarcoidose…
- Neoplásicas: primárias (mesotelioma pericárdico) ou secundárias a metástases (neoplasia de pulmão ou mama, linfoma).
- Metabólicas: insuficiência renal, hipotiroidismo, anorexia nervosa.
- Traumáticas: traumatismo direto, radiação, síndrome pós-infarto do miocárdio, síndrome pós-pericardiotomia.
- Induzida por medicamentos: hidralazina, procainamida, metildopa, isoniazida, fármacos antineoplásicos.
- Outras: amiloidose, dissecção aórtica, hipertensão pulmonar e insuficiência cardíaca crónica 3.
Eletrocardiograma da pericardite aguda
Um eletrocardiograma debe ser realizado se existe suspeita de pericardite. Embora nem sempre estão presentes, as alterações do eletrocardiograma são de grande ajuda no diagnóstico da pericardite aguda, podendo ser observadas algumas horas após do início dos sintomas.
É ainda mais importante realizar eletrocardiogramas seriados nos pacientes com pericardite aguda, pois as alterações do eletrocardiograma que normalmente evoluem em quatro etapas 1 2.
Etapas da pericardite aguda no eletrocardiograma
Etapa 1:
Pericardite aguda etapa 1:
Elevação côncava do segmento ST, depressão do segmento PR, onda T positiva.
As alterações se observam às poucas horas do início dos sintomas. No eletrocardiograma se observa una elevação côncava do segmento ST em quase todas as derivações (exceto em V1 e aVR), sem depressão recíproca.
Também pode aparecer depressão generalizada do segmento PR (veija diferenças entre intervalos e segmentos). Este sinal eletrocardiográfico é menos sensível, mas é mais específico de pericardite aguda.
Nesta etapa a onda T se mantém positiva em quase todas as derivações.
Etapa 2:
Pericardite aguda etapa 2:
Normalização do ST, achatamento da onda T.
As alterações no eletrocardiograma nesta etapa ocorrem vários dias após do início dos sintomas da pericardite.
Se caracteriza pela normalização das alterações do segmento ST e o achatamento generalizado da onda T.
Etapa 3:
Pericardite aguda etapa 3:
Inversão da onda T.
No eletrocardiograma ocorre uma inversão da onda T na maioria das derivações, sem aparição de ondas Q.
Etapa 4:
Pericardite aguda etapa 4:
O eletrocardiograma se normaliza.
Nesta etapa ocorre a normalização das ondas T e o eletrocardiograma retorna ao padrão normal. Normalmente sucede semanas ou meses mais tarde. Em determinados pacientes persistem as ondas T negativas.
Uma ou várias destas etapas eletrocardiográficas podem estar ausentes. De fato, as quatro etapas evolutivas estão presentes unicamente no 50% dos pacientes.
Diferenças eletrocardiográficas entre a pericardite aguda e o infarto do miocárdio
Ocasionalmente pode ser difícil diferenciar as alterações no ECG da pericardite aguda das alterações do infarto do miocárdio (IAMCST) 1.
Algumas dicas úteis para diferenciar a pericardite aguda do IAMCST são: a forma do segmento ST, a depressão recíproca do segmento ST, as alterações do segmento PR, as ondas Q patológicas, a voltagem da onda R e a concordância da onda T com o segmento ST.
Segmento ST:
Na pericardite aguda a elevação côncava do segmento ST é difusa, no Infarto a elevação do segmento ST está localizada de acordo com a artéria coronária afetada.
A depressão recíproca do segmento ST está ausente na pericardite aguda (exceto em V1 e aVR) e presente no IAMCST.
A elevação do segmento ST na pericardite aguda é côncava, enquanto que no IAMCST é convexa.
Depressão do segmento PR:
Uma depressão generalizada do segmento PR em quase todas as derivações (exceto em V1 e aVR) é um achado quase diagnóstico de pericardite aguda, mas não está presente no IAMCST.
Ondas Q patológicas:
As ondas Q patológicas estão ausentes na pericardite, enquanto que sím aparecem no infarto do miocárdio.
Voltagem da onda R:
A progressão a baixas voltagens da onda R pode ser un achado no IAMCST, mas não é uma da pericardite aguda 1.
Concordância das ondas T com o segmento ST:
Na pericardite aguda a onda T é sempre concordante com o segmento ST. A discordância entre a onda T e o segmento ST é característico do infarto do miocárdio 1.
Diferenças eletrocardiográficas entre a pericardite aguda e a repolarização precoce
O padrão de repolarização precoce é um achado frequente nos jovens e pode ser difícil de diferenciar da pericardite aguda.
Algumas dicas úteis para diferenciar a pericardite aguda da repolarização precoce são: As alterações do segmento PR, o entalhe no final do QRS, a evolução das alterações no ECG, e a relação ST/T.
Depressão do segmento PR:
A depressão do segmento PR não está presente na repolarização precoce.
Entalhe no final do QRS:
O padrão de repolarização precoce se caracteriza pela presença de um entalhe ou de uma pequena onda (onda J) o final do QRS. Na ausência deste achado o diagnóstico repolarização precoce é duvidoso.
Relação segmento ST / onda T:
Na pericardite aguda a onda T tem uma amplitude normal, enquanto que na repolarização precoce é frequentemente apiculada.
Uma relação ST/T <0.25, especialmente na derivação V6, indica repolarização precoce.
Diagnóstico da pericardite aguda
Para realizar o diagnóstico de pericardite aguda devem existir ao pelo menos dois critérios diagnósticos dos seguintes:
- Dor torácica característica (aguda e pleurítica).
- Atrito pericárdico.
- Alterações no eletrocardiograma de pericardite aguda.
- Novo derrame pericárdico ou agravamento do mesmo.
Achados adicionais de apoio:
- Elevação dos marcadores de inflamação (proteína C reactiva, velocidade de hemossedimentação e contagem de leucócitos).
- Evidências de inflamação pericárdica por imagem (TC, RMN) 3.
A radiografia de tórax é geralmente normal em pacientes com pericardite aguda porque a só está presente em derrames maiores de 300 ml 3.
Classificação da pericardite
- Pericardite aguda
- Pericardite incessante: pericardite com duração de 4-6 semanas mas <3 meses sem remissão.
- Pericardite recorrente: recorrência da pericardite depois de um primeiro episódio documentado de pericardite aguda e um intervalo livre de sintomas de 4-6 semanas ou mais.
- Pericardite crónica: pericardite maior de 3 meses.
Fatores preditores de mal prognóstico na pericardite aguda
Os pacientes sem dados de datos de alto risco ou de etiologia específica podem ser tratados de forma ambulatória com tratamento empírico com anti-inflamatórios e seguimento em uma semana.
Os pacientes que apresentem pelo menos um fator preditor de mal prognóstico necessitam ser hospitalizados. Estes fatores preditores se dividem em maiores (baseados em análises multi-variáveis) e menores (baseados na opinião do especialista).
Fatores maiores de pior prognóstico:
- Febre >38°C / 100.4°F.
- Início subagudo.
- Derrame pericárdico severo (>20 mm no ecocardiograma).
- Tamponamento cardíaco.
- Ausência de resposta ao tratamento com ácido acetilsalicílico ou AINE após 7–10 semanas.
Fatores menores de pior prognóstico:
- Miopericardite.
- Imunossupressão.
- Traumatismo.
- Tratamento com anticoagulantes orais.
Complicações da pericardite Aaguda
Pericardite recorrente:
A pericardite recorrente é diagnosticada a partir de um primeiro episódio documentado de pericardite aguda, um intervalo livre de sintomas de 4-6 semanas ou mais e evidência de ulterior recorrência de pericardite. O diagnóstico de recorrência se estabelece segundo os mesmos critérios usados para a pericardite aguda 3.
A taxa de recorrências após um episódio inicial de pericardite varia do 15 ao 30% e pode aumentar até o 50% despois de uma primeira recorrência em pacientes não tratados com colchicina.
Tamponamento cardíaco:
O tamponamento cardíaco é uma compressão do coração devida a uma acumulação pericárdica de líquido, susceptível de pôr em perigo a vida do paciente.
O sinais clínicos de um paciente com tamponamento são: taquicardia, hipotensão, pulso paradoxal, aumento da pressão venosa jugular, ruídos cardíacos atenuados, redução da voltajem eletrocardiográfico com alternância elétrica et aumento da silhueta cardíaca na radiografia de tórax.
A magnitude das anormalidades clínicas, hemodinâmica depende da velocidade de acumulação, da quantidade de conteúdo pericárdico, da distensibilidade do pericárdio das pressões de enchimento e da distensibilidade das câmaras cardíacas.
Em pacientes com tamponamento cardíaco, o ECG pode mostrar sinais de pericardite, com voltagens dos complexos QRS especialmente baixos e alternância elétrica 3.
Pericardite constritiva:
A pericardite constritiva pode ocorrer raramente depois de uma pericarde recorrente. Se caracteriza por uma alteração do enchimento diastólico ventricular devido a uma doença pericárdica.
O quadro clínico típico se caracteriza por sinais e sintomas de insuficiência cardíaca direita com função ventricular directa e esquerda preservada na ausência de doença miocárdica prévia ou concomitante ou formas avançadas.
Tratamento da pericardite aguda
Qualquer apresentação clínica que possa indicar uma etiologia subjacente ou pelo menos um fator preditor de mal prognóstico requer hospitalização e pesquisa da etiologia.
Por outro lado, se pode tratar de forma ambulatória aos pacientes sem estas características com tratamentos antiinflamatório empírico e seguimento a curto prazo após semana para comprovar a resposta a tratamento 3.
Para os pacientes nos que se identifique uma causa distinta da infecção viral, está indicado o adequado tratamento específico do transtorno subjacente.
Se deve considerar a restrição do exercício físico aos não atletas com pericardite aguda até que a resolução dos sintomas e a normalização da PCR, o ECG e o ecocardiograma. Em atletas deportistas, é recomendada a restrição do exercício físico pelo menos 3 meses após a resolução dos sintomas e a normalização da PCR, o ECG e o ecocardiograma 3.
Se recomenda AAS ou AINE como tratamento de primeira linha na pericardite aguda, com protectores gástricos.
A colchicina está recomendada a doses baixas, ajustadas ao peso, para melhorar a resposta ao tratamento médico e prevenir as recorrências. Não é necessário retirar progressivamente a colchicina, mas se pode realizar para prevenir a persistência dos sintomas e as recorrências 3.
Os corticóides a doses baixas devem ser considerados para o tratamento da pericardite aguda nos casos de contra-indicação ou fracasso do AAS/AINE e colchicina, e quando seja excluída uma causa infecciosa ou exista uma indicação específica, como as doenças autoimunes. Os corticóides não están recomendados como tratamento de primeira linha na pericardite aguda 3.
Lembre-se: o eletrocardiograma de pericardite aguda pode ser confundido com o de infarto do miocárdio e com o de repolarização precoce. Lhe recomendamos revisar as características dessas alterações para que possa diferencia-las 1.
Referências
- 1. Ariyarajah V, Spodick DH. Acute pericarditis: Diagnostic cues and common electrocardiographic manifestations. Cardiol Rev. 2007; 15 (1): 24-30. doi: 10.1097/01.crd.0000210645.89717.34.
- 2. Shabetai R. El Pericardio. J&C Ediciones Médicas, S.L.; 2005.
- 3. Adler Y, Charron P, et al. Guía ESC 2015 sobre el diagnóstico y tratamiento de las enfermedades del pericardio. Rev Esp Cardiol. 2015; 68 (12): 1126.e1-e46. doi: 10.1016/j.recesp.2015.10.011.
- 4. Khandaker MH, Espinosa RE, et al. Pericardial Disease: Diagnosis and Management. Mayo Clin Proc. 2010; 85 (6): 572–593. doi: 10.4065/mcp.2010.0046.
- 5. Surawicz B, Knilans TK. Chou’s electrocardiography in clinical practice, 6th ed. Philadelphia: Elservier; 2008.
- 6. LeWinter MM. Acute Pericarditis. N Engl J Med. 2014; 371: 2410-6. doi: 10.1056/NEJMcp1404070.
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