Hipocalcemia no Eletrocardiograma
A hipocalcemia é definida como níveis de cálcio no plasma menores de 8.8 mg/dL (2.1 mmol/L ou 4.2 mEq/L).
A hipocalcemia aguda pode ser mortal, já que os pacientes podem apresentar tetania, convulsões ou arritmias cardíacas.
No eletrocardiograma, a hipocalcemia pode causar prolongamento do segmento ST e do intervalo QT devido a um aumento na duração do "plateau" do potencial de acção.
Fisiopatologia da hipocalcemia
Quase todo o cálcio no corpo (99%) está armazenado nos ossos, só aproximadamente um 1% se encontra nos fluidos extracelulares e um 0.1% nos fluidos intracelulares 1.
O cálcio está presente no plasma em três formas. Ao redor do 41% do cálcio está combinado com proteínas plasmáticas. Aproximadamente um 9% está combinado com substâncias aniónicas do plasma e dos fluidos intersticiais (citratos e fosfatos).
O 50% restante do cálcio está ionizado. Este cálcio iônico é a forma importante para a maioria das funções do organismo, incluindo o efeito do cálcio no coração, sistema nervoso e na formação óssea 1.
Quando a concentração sérica de cálcio diminui a níveis baixos, a excitabilidade das células nervosas e musculares se incrementa de forma significativa e as concentrações abaixo do 50% podem provocar tetania. Também podem causar convulsões devido a um aumento da excitabilidade do cérebro 1.
A hipocalcemia aumenta a duração do plateau (fase 2) do potencial de acção do músculo cardíaco 2.
Como a duração do plateau do potencial de acção determina a duração do segmento ST, em presença de hipocalcemia o segmento ST e o intervalo QT estão prolongados 2.
Causas de hipocalcemia
- Hipoparatiroidismo
- Pós-cirúrgico ou pós-radiação
- Auto-imune
- Congénito
- Pseudohipoparatiroidismo ou pseudo-pseudohipoparatiroidismo
- Hipomagnesemia ou hipermagnesemia grave
- Deficiência de vitamina D ou resistência à vitamina D
- Insuficiência renal ou doença hepática terminal causadores de deficiência de vitamina D
- Hiperfosfatemia
- Pancreatite aguda
- Síndrome do osso faminot pós-paratiroidectomia
- Quelação
- Choque séptico ou doenças críticas
- Quimioterapia
- Medicamentos (fenobarbital, doses intravenosas elevadas de bisfosfonatos)
Eletrocardiograma e hipocalcemia
Em presença de hipocalcemia, o segmento ST e o intervalo QT estão prolongados. A duração do segmento ST é inversamente proporcional à concentração de cálcio no plasma 2.
Normalmente o prolongamento do segmento ST e do intervalo QT são as únicas alterações do ECG na hipocalcemia.
ECG de hipocalcemia: segmento ST e intervalo QTc prolongados (QTc 537 ms).
A hipocalcemia normalmente se pode reconhecer no ECG porque, com exceção da hipotermia, não existe nenhum outro agente ou alteração metabólica que prolongue a duração do segmento ST sem modificar a duração da onda T.
Não obstante, os pacientes podem ter hipocalcemia clinicamente significativa sem as alterações diagnósticas no ECG 3.
Em presença de hipocalcemia, a polaridade da onda T pode permanecer inalterada. Embora, em certas ocasiões, a onda T pode diminuir, tornar-se plana ou inverter ligeiramente a polaridade nas derivações com complexos QRS positivos 2.
Nos pacientes com intervalo QT prolongado secundário a hipocalcemia, a onda U normalmente está ausente ou não é reconhecível 2.
Tratamento da hipocalcemia
O tratamento da hipocalcemia depende da severidade dos sintomas, da causa subjacente e da velocidade de instauração da hipocalcemia.
Todos os tratamentos requerem monitorização estreita. Se for considerado o uso de medicação intravenosa é ideal, para um manejo óptimo, a hospitalização em uma unidade especializada ou de cuidados intensivos com acesso a monitorização cardíaca e determinações rápidas de cálcio ionizado.
Hipocalcemia guda:
A Hipocalcemia aguda pode ser mortal. Os pacientes com hipocalcemia aguda sintomática ou com níveis de cálcio menores de 7.0 mg/dL (1.75 mmol/L) devem ser tratados de forma imediata com cálcio IV 4 5.
É preferível o gluconato de cálcio sobre o cloreto de cálcio porque causa menos necrose tecidual se se extravasa.
De 100 a 200 mg de cálcio elementar diluído em 50 ou 100 mL de glicose 5% devem ser administrados entre 10 e 20 minutos (o gluconato de cálcio contém 90 mg de cálcio elementar por cada 10 mL) 4 5.
Uma rápida administração pode provocar arritmias, por conseguinte a administração intravenosa deve ser estreitamente monitorizada.
É essencial determinar o magnésio sérico em todos os pacientes com hipocalcemia, de existir hipomagnesemia esta deve ser corregida 4 5.
Hipocalcemia crônica:
A restituição por via oral pode ser indicada nos pacientes assintomáticos ou com sintomas ligeiros. Se fora insuficiente se deve agregar vitamina D 4 5.
Os níveis de cálcio sérico devem ser determinados cada 3 ou 6 meses ou quando se realize qualquer mudança no tratamento médico. Se deve fixar como objectivo um valor de cálcio sérico aproximado de 8.0 mg/dL (2.0 mmol/L).
Um efeito secundário potencial do tratamento é a hipercalciúria, a qual se pode complicar com nefrocalcinose, urolitíase e/ou insuficiência renal.
Os diuréticos tiazídicos podem aumentar a reabsorção renal de cálcio, se a hipercalciúria é detectada se deve agregar um diurético tiazídico.
A furosemida ou os outros diuréticos de alça podem diminuir os níveis séricos de cálcio e de debem ser evitados.
O PTH recombinante humana foi aprovada em 2015 para o tratamento do hipoparatiroidismo em pacientes mal controlados com tratamento com suplementos de cálcio e vitamina D.
Resumo
Os pacientes com hipocalcemia aguda podem apresentar tetania, convulsões ou arrtimias cardíacas.
Em presença de hipocalcemia o segmento ST e o intervalo QT estão prolongados.
A duração do segmento ST é inversamente proporcional à concentração de plasmática cálcio.
O tratamento da hipocalcemia depende da severidade dos sintomas, da causa subjacente e da velocidade de instauração da hipocalcemia.
Esperamos que este artigo sobre a hipocalcemia no eletrocardiograma lhe seja útil.
Artigos relacionados: Hipercalcemia, segmento ST
Referências
- 1. Hall JE. Guyton and Hall. Textbook of Medical Physiology. 12th ed. Philadelphia: Elsevier; 2011.
- 2. Surawicz B, Knilans TK. Chou’s electrocardiography in clinical practice, 6th ed. Philadelphia: Elservier; 2008.
- 3. Goldberger A. Clinical Electrocardiography: A Simplified Approach. 7a ed. Philadelphia: Mosby Elsevier; 2006.
- 4. Schafer AL, Dolores M Shoback, DM. Hypocalcemia: Diagnosis and Treatment. Endotext [Internet]. 2016 [cited: March 29, 2016].
- 5. Skugor M. Hypocalcemia. Cleveland Clinic [Internet]. 2014 [cited: March 29, 2016].
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